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A Feira do Arraial

Euclides Neto

A Tarde - Salvador-BA - 1997

É mais grave do que se imagina. Há anos frequento a feira de um distrito da Chapada Diamantina. Antes, era aquele farturão de milho, arroz, cebola, alho, café, laranja, lima, feijão, farinha, abacaxi, amendoim, requeijão, corante de urucum, açúcar mascavo, rapadura, gergelim, mel de abelha, aipim, batata, inhame, fumo de corda, mamona, beijus, panelas e potes de barro, esteiras e vassouras de licuri, panos de toucinho, linguiça de fumeiro, ovos de quintal. E mais caças moqueadas, couros das ditas, até de onça-pintada, laços trançados, cabrestos de caroá, alpercatas rústicas.

Essa riqueza toda ficava exposta no chão, ocupando a pracinha. Tudo era medido em litros de madeira ou em pratos. Fregueses pechinchavam: compradas 20 espigas de milho, cinco entravam de quebra, na generosidade dos bons e puros. Em volta, o comércio: lojas de tecidos, secos e molhados. Tardinha se fechando, voltavam os gerazeiros montados nos jeguinhos franzinos, subindo a serra, procurando a morada, para os lados do Machombongo.  Deixavam as gavetas das vendas gordas.

Vi agora a mesma feira. Da lavra, coisa alguma apareceu. Até o feijão e o arroz chegavam empacotados de fora, possivelmente dos 80 milhões de toneladas dos grãos produzidas pela máquina. Para não dizer que nada havia da terra, um gerazeiro vendia umas espigas de milho verde, porque era véspera de São João. Das duas bruacas que trouxera, sobrava uma.

Naquele tempo, somente um mascate. Hoje, são dezenas de barracas, negociando plásticos, roupas, alumínio ordinário, vindos do Paraguai. Nada vendem. À tarde voltam em busca de outras feiras nos seus carros caindo aos pedaços. Acabou a produção, com a fuga dos lavradores para os grandes centros. Restou somente uma única fonte de renda: a aposentadoria dos velhos. Não se abate mais gado, salvo um boi, quando os aposentados recebem o auxílio.

Até a água encanada que passa hoje por aquelas bandas de verões de fogo, destinada às cidades próximas, não pode ser fornecida pelo caminho aos que ainda plantam e criam.

A última moda é o turismo. O governo faz seminários, convida prefeitos e vereadores para conhecerem a novidade: trazer gente de fora para o lazer. Transformar sedes de fazendas em pousadas. Melhorar estradas, calçar ruas, fazer jardins, coretos, promover São João, pensando em atrair sobretudo os gringos, alegando que cria emprego para toda a população, inclusive para o gerazeiro. Ilusão!

Enquanto nos países de tradições milenares, o turismo não resolveu o desemprego, nós aqui, tendo para mostrar somente duas bruacas de milho verde, queremos incrementá-lo porque é chique e está na moda.

 

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).