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João Justiniano da Fonseca para Euclides Neto

Carta em “Comercinho” - carta - Salvador - 1981

Com desculpas pelo atraso, abro esta carta do agradecimento pelo brinde de seu Comercinho do Poço Fundo, e ainda, e especialmente, pelo prazer que este me proporcionou nas horas do repouso de três dias. Também na cidade se tem rede e coçando o dedão do pé, se lê ao balanço de um copo do uísque (grafo em português, o nacional). Foi um deleite, a leitura dos seus casos.

Não sei o que mais impressiona, se as estórias em si mesmas, se a simplicidade no dizer, se a segurança no escrever. Chega-se a ver o Poço Fundo, terra do que já foi. Boca Preta em sua fúria do macho deixando cair melancia e coco, não me lembra se bagas de cacau dos caçuás, enquanto a pindoba penetra as entranhas da jeguinha virgem. Mas, que pena, logo depois está Boca Preta encolhido a um canto, castrado como político em tempo de AI 5! E vem o tolo Seu Beto passando para trás o sabido Dr. Renato...

Não! Mais impressiona João Vermelho. João Vermelho, língua do palmo e meio, mato a dentro, aos gritos, cabelos desgrenhados, engolindo léguas e léguas de mata virgem. O subversivo São Benedito... Negrinho do barro, mal-amanhado, nariz quebrado, faltando pedaços, teimoso como... Como o negrinho do José Lins do Rego?

A maneira como você vai abrindo e fechando as porteiras, uma a uma, relembrando o que ficou para trás, advertindo do que vem pela frente, não deixa de fazer com que o leitor se agrade ainda mais do livro e se sinta atraído pela leitura, prenda-se a ela até o fim. Oferece também a vantagem de fazer com que a gente chegue ao final do livro se lembrando da primeira estória, e isto é bom.

Creio que ao preço de duzentos e tantos cruzeiros o quilo de boi, já não se fez mais rol-de-porteira, mas, pesa-se o bico, casco e tudo, que tudo tem valor no Paes-Mendonça. Entretanto, se ainda se usa isso, gostaria de ser presente ao um rol-do-porteira do Dr. Renato. Saber = se ele soube arrobar tão bem, como prometer promoção de cabo ao soldado Anjo.

Um abraço e votos de sucesso para o seu livro, que ele bem o merece.

ilustração: Adrianne Gallinari
João Justiniano da Fonseca
João Justiniano da Fonseca: Poeta e escritor baiano.